Apesar de diferenças salariais entre médicos cubanos e de outras nacionalidades, poupança feita em Cuba é atrativo.
Nesta semana, cubana deixou o Mais Médicos com críticas
O susto dos cubanos participantes do programa Mais Médicos se concentrou no custo de vida brasileiro. Antes de embarcarem para o Brasil, as informações eram escassas e desencontradas, segundo relatos dos profissionais ouvidos pelo iG. Houve quem não recebesse nenhuma informação sobre preços de itens básicos, como comida, roupas e móveis no País e quem ouvisse que, com R$ 50, seria possível se alimentar durante um mês inteiro.
O contrato de trabalho foi assinado pelos cubanos pouco antes da viagem para o Brasil. A primeira leva de médicos chegou à Brasília em agosto. Com isso, muitos dos profissionais que vieram depois - como a cubana Ramona Matos Rodriguez, que desistiu de continuar atendendo no posto de saúde de Pacajá, no Pará, e fugiu para Brasília no último fim de semana - já sabiam das condições de vida no Brasil. “Nós mandávamos e-mails para os colegas”, diz um médico.
No contrato, os valores salariais – 400 dólares (cerca de R$ 953) para viver no Brasil e mais 600 dólares (R$ 1429) depositados em uma poupança em Cuba – estavam “claros”, assim como as jornadas de trabalho, segundo eles. “Era muito claro e sabíamos de tudo antes de embarcar para o Brasil”, garante uma médica. Discretos em relação às ambições financeiras, os médicos ouvidos pelo iG preferiram não se identificar.
Os profissionais que conversaram com a reportagem se disseram “surpresos” com a atitude da médica Ramona. Apesar do susto com o alto custo de vida no Brasil, eles ainda acreditam que vale a pena participar do programa. E se dizem convictos de que Ramona não seria presa se voltasse a Cuba. “As leis mudaram. Ela pode ir e vir e ainda tem o trabalho dela lá. Só que ela não poderia mais participar de missões”, conta um médico. Essas viagens são uma oportunidade (mesmo que não admitida de imediato por eles) de ganhar um dinheiro extra.
No caso do programa Mais Médicos, a poupança de US$ 600 feita em Cuba durante o período de três anos em que eles ficarão no Brasil é o mais atraente. Para quem ganha US$ 35 por mês lá, o valor é significativo.
Falta de informação
Os médicos ouvidos pelo iG dizem que também sabiam que o governo cubano ficaria com boa parte do salário oferecido pelo Brasil. Mas esperavam que todos recebessem moradia, alimentação e transporte das prefeituras. Em alguns municípios, os gestores decidiram oferecer ajuda de custo. Para custear despesas mensais com aluguel, contas e alimentação, os profissionais que conversaram com a reportagem relataram receber R$ 2,5 mil, além dos R$ 950 do contrato.
De acordo com as regras, ao aderir ao programa, os municípios assumem a responsabilidade por garantir alimentação e moradia desses médicos. O gestor municipal deve “disponibilizar um imóvel ou uma ajuda pecuniária desde a chegada do médico no município”. Nos casos de repasse de verbas, o valor varia de R$ 500 a R$ 2,5 mil e para moradia e até R$ 500 no caso da alimentação.
“Só que a vida é muito cara no Brasil e, em Cuba não nos disseram isso. Ao contrário. Disseram que, com R$ 50, pagaríamos alimentação de um mês inteiro. Isso realmente é mentira”, afirma um dos médicos entrevistados pela reportagem. Além disso, eles contam que o governo cubano não informou que eles teriam direito a uma bolsa paga pelo governo brasileiro para ajudá-los a se instalar nas cidades.
A bolsa varia de R$ 10 mil a R$ 30 mil (para quem mora nas áreas de distritos indígenas). O primeiro pagamento foi feito na ida dos médicos (70% do total). O restante será depositado ao completar o sexto mês de trabalho. “Só recebemos R$ 3,5 mil (da bolsa de R$ 30 mil) de Cuba. E esse dinheiro faz falta para montarmos a casa”, diz um profissional que divide um apartamento com mais dois colegas. Eles pagam R$ 1 mil de aluguel.
Ainda assim, eles acreditam que vale a pena continuar no programa. “Dá pra guardar um pouco, comprar presentes para os filhos. Não vivemos com luxo, mas não passamos necessidades”, afirma uma médica.
Outros países
Segundo a assessoria de imprensa da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), a entidade possui inúmeros acordos de cooperação com seus 35 países-membros. Muitos envolvem o deslocamento de profissionais de várias áreas da saúde (não somente médicos) para ações como treinamento e resposta a epidemias e desastres. Mas não há contratos idênticos ao do estabelecido entre Brasil e Cuba.
“No momento, o único acordo com as características exatas do programa Mais Médicos, que incluem o deslocamento de um amplo contingente de profissionais para um período extenso, são os acordos com o Brasil e com Cuba. Cuba mantém equipes médicas por períodos prolongados em 60 países, mas esses acordos não são intermediados pela OPAS. Muitos deles envolvem países fora da área de atuação da organização (África e Ásia)”, diz nota enviada ao iG.